PROF. EMENSON SILVA: O mês que Ilhéus nunca esquecerá!
Postado 08/11/2025 20H50
_Os grandes palcos se iluminam conforme as vaidades do poder, mas a verdadeira comemoração está no eco dos tambores e no coração de cada ilheense._
Novembro chegou e, com ele, o vazio cultural que segue desde o início deste ciclo, um silêncio seletivo que cala apenas aquilo que o governo não julga importante, como o mês em que comemoramos a consciência negra. Mês dedicado às lembranças de tudo o que o povo negro passou em nossas terras, como as suas mãos construíram a nossa história e o sangue de suas veias corre em nossas.
Mas não, infelizmente o que poderia ser uma grande festa, um orgulho para ser comemorado em meio à tomada de conscientização, conhecimento e resgate, é abafado por um réveillon que não sabemos como vai se pagar, já que os cofres estão vazios desde sempre. Desde o início do ano foi assim por aqui; o barulho costuma ser alto: as caixas de som, fogos, microfones, os discursos. Mas quando o assunto é o povo, o batuque some, o microfone falha e o som vira sussurro. Pura coincidência, claro.
Promover a consciência, lembrar da história vista pelos que a sofreram é um perigo para quem se apega ao poder, por isso, e, infelizmente, não é só por aqui que as manifestações, como as que deveriam acontecer neste mês, passam caladas, ignoradas. Consciência tira voto, principalmente daqueles que governam olhando para o espelho e não para o povo.
Mas a nossa sorte é que a alergia do tambor, dos cantos da nossa fé, pode até causar um pouco de medo ou intimidação nos vaidosos, só que continuam promovendo vida nos corações da nossa gente. Por isso, nunca vamos deixar de escutá-la, de senti-la.
Enquanto isso, nos casarões ilusórios desse amálgama coronelista que insiste em resistir em partes de Ilhéus, por entre páginas de uma literatura contada sob velhos vieses e chocolates finos (muitas vezes produzidos por aqueles que eles querem manter calados), continuam adoçando discursos vazios, na tentativa contínua de embranquecer a memória (o que, convenhamos, não é uma particularidade nossa, mas sim, um traço persistente da elite brasileira).
Não é que Ilhéus tenha esquecido do Novembro Negro, é que lembrar, às vezes, atrapalha planos. E olha que somos baianos, terra mais negra do mundo, fora da África. Agora, é importante lembrar que a consciência também não deve resumir-se a um mês, ela deve ser construída dia após dia, exemplo após exemplo. O mês poderia ser de festa, de reconhecimento, mas não é isso que vai tornar a nossa sociedade mais ou menos preconceituosa.
Passou-me aqui, por um momento, uma possível coincidência que nem vou reparar, caso aconteça. Mas, já que ainda temos tempo, nem chegamos no meio do mês e sim, o povo negro merece ser festejado, merece ser reconhecido e ter tanto espaço como as outras manifestações, ainda mais quando estamos falando de uma cidade que todo mundo quer conhecer e em pleno início de alta temporada. Então, seria maravilhoso ver, depois desse editorial, surgir, assim, da mais organizada programação cultural de Ilhéus, planejadinha na santa fé do improviso, uma programação que saúda o Novembro Negro. O que acham de artistas locais, em espaços públicos, música, dança, cultura pungente, baianidade, negritude… Seria um grande acerto do nosso governo municipal e eu aplaudiria de pé a iniciativa.
Porque, no fim das contas, o som nunca deixará de soar. Tentam calar o tambor, o microfone, o canto, tentam, mas não conseguem. A resistência vem de todas as partes, das igrejas cheias, das comunidades de fé afro, dos becos, dos morros, das escolas, das feiras, dos ônibus lotados. Ela nasce do povo que constrói essa cidade todos os dias, que transforma dor em força, esquecimento em fé e descaso em esperança.
E falo como quem vive essa margem. Como homem negro, que lutou muito para chegar onde estou e tenho muito a lutar e mais, a aprender. Que desde cedo ama essa cidade e, justamente por isso, não vou aceitar esse silêncio. Se Ilhéus gosta tanto das festas, que o governo atual cometa essa coincidência e permita celebrar a negritude que sustenta suas calçadas, seus sons, sua fé, seu nome. Ainda dá tempo.
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